Se quiser viver, não adie. O imponderável se intromete na vida da gente. Como patas de um gato, as unhas do destino se alongam querendo estancar o curso de nossa história. O imprevisto é peçonhento e estraga os projetos mais queridos. Antecipe-se ao imponderável e beije, abrace, converse. O agora é estrela cadente, asteróide nômade. Faça cada instante valer uma eternidade. O já não passa de uma piscadela; o hoje, de fenda entre o ainda não e o que acabou.
Se quiser viver, não tema. Arrique-se. Decidir é vulnerar-se; querer, expor-se; desejar, atirar-se à mercê do outro. Ferida de decepção dói menos que desterro de inação. Todos os amantes carregam cicatrizes. Seus estigmas, mesmo antigos, são visíveis. Atreva-se a caminhar sem blindagem. Arranque o elmo. Jogue fora o escudo. Não se enclausure. Não evite o olhar de quem lhe pede afeto. Seja terno com quem lhe espezinha.
Se quiser viver, não anseie. Sossegue. O possível, nem sempre o melhor, é matéria prima do contentamento. A alma implora por descanso. Reconheça os avisos do corpo quando avisa que as descargas hormonais desequilibram o metabolismo. Dê um passo de cada vez. Espere pelo amanhã. Desista do controle dos circuitos, solte o cabo da nau. Não corra na frente da aragem que antecipa a madrugada. Basta a cada oportunidade o seu próprio mal. Tranquilize-se.
Se quiser viver, não fuja. Enfrente-se. As nódoas da alma podem transformar-se em câncro; as culpas, em fardos; as inadequações, em aleijões existenciais. Transgressão pode deixar de ser um pecado mortal. Aprenda com os seus tropeços. Cresça com as mazelas. Reconceitue humildade como coragem de admitir limites, fragilidades, incapacidades.
Se quiser viver, não escarneça. Ouça. Tradição é a história que os antepassados selecionaram para que amadureçamos. Os enganos de outrora não precisam ser repetidos. Não quebre a cabeça com teoremas já demonstrados. Poupe o coração de injunções aparentemente inéditas que os compêndios trataram exaustivamente. Atente para os provérbios populares. Escute os avós.
Se quiser viver, medite. Mire as conchas que a maré triturou, que pavimentam a praia; o ócio do leão, feliz com a prole bem alimentada; o sol que se fatiga no lusco fusco da tarde. Devagar, procure as entrelinhas da poesia, o imarcescível da narrativa, a dignidade da biografia. Escute, de olhos fechados, os violinos, as gaitas, os trompetes, os pianos, os realejos. O universo pulsa, descubra o seu ritmo.
Soli Deo Gloria
Ricardo Gondim
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