segunda-feira, 31 de maio de 2010

Ter uma teologia correta não significa que você conhece a Deus

É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que um rico ir para o céu. É ainda mais fácil um elefante passar por essa agulha que uma pessoa com a teologia correta não ficar arrogante. Quantas pessoas você conhece que leram um livro de João Calvino e jogaram o livro como quem faz uma cesta no basquete, para depois fazer uma dancinha, como se tivessem algum mérito naquilo?

Cinco anos depois de lançar o meu terceiro livro, Searching for God Knows What (inédito no Brasil), o editor veio até mim e perguntou se poderia fazer uma nova edição do livro. O livro vendeu muito bem durante todos esses anos, e queriam dar a ele uma “segunda vida”. Como escritor, fiquei animado com a idéia. Antes de Um Milhão de Quilômetros, aquele era o livro que mais me orgulhava, por isso concordei em trocarmos a capa e decidi escrever algum material extra.

Os dois principais componentes acrescentados ao livro é uma nova introdução, na qual defendo que a teologia correta não tem nenhum poder redentor, pois o poder redentor só vem através de um relacionamento com Jesus. Eu explico por que a teologia correta tornou-se um falso ídolo, e quando é usada como uma “chupeta” para nos acalmar e nos fazer sentir bem ao invés de redimidos, gera arrogância, tornando-se uma isca para a personalidade ofensiva e controladora. Muitos líderes cristãos desmerecem outros pastores e pensadores, em nome da teologia correta. Isto é perturbador, gerando algo que confunde as pessoas e as impede de verem a Cristo.

O segundo acréscimo ao livro é uma teoria da personalidade que eu escrevi e coloquei no capítulo final. Eu a chamo de Teoria do Gênesis. Ela explica, creio eu, como nossa personalidade se desenvolve baseada na descrição da queda do homem, em Gênesis 2 e 3. Estou esperando para testar esta teoria ouvindo a opinião de alguma universidade cristã. A semente dessa teoria está na reedição do meu livro. Enfim, reproduzo aqui um pouco da nova introdução. É só uma parte, mas vai lhe dar uma idéia do que o livro trata. Espero que gostem dos acréscimos. Muito obrigado.
Da introdução de Searching for God Knows What :

…. durante uma noite escura da alma, comecei a perceber que a salvação acontece através de uma interação misteriosa, indefinível e relacional com Jesus, na qual nos tornamos um com ele. Percebi que a conversão cristã está mais próxima do ato de se apaixonar por alguém do que a compreensão de uma série de conceitos ou idéias. Não quero dizer que não existem idéias verdadeiras, mas preciso lembrar que há algo mais, algo além. Existem idéias verdadeiras envolvidas no casamento e no sexo, mas casamento e sexo também envolvem algo mais, e esse algo mais é misterioso.

Se temos uma personalidade controladora, em que gostamos de conferir as coisas fazendo listas, isso será algo extremamente difícil para nós compreendermos e aceitarmos. Na verdade, Deus não nos deu nenhum controle sobre este “sistema” de relacionamento. Levar alguém a conhecer Jesus não é o mesmo que apresentá-lo a idéias, mas sim a uma divindade pessoal, que vive e interage. Evangelismo, então, parece mais com alguém que vai a um encontro arranjado, às cegas. Deus faz o trabalho, apenas falamos aos outros um pouco sobre ele e onde podem encontrá-lo.

Você pode ter ficado chateado. Talvez ache que estou dizendo que a verdade deve ser jogada fora, que a teologia não importa. Mas não é isso que estou tentando dizer. Apenas pretendo ilustrar que nossa tendência de procurar definir Deus com uma teologia matemática tornou-se um falso deus, ao invés de ser uma seta que aponta para o Deus verdadeiro. A teologia pode tornar-se um ídolo, mas é mais útil como guard rail em uma estrada para o verdadeiro Deus. Teologia é algo muito importante, mas não é Deus; e saber fatos sobre Deus não é o mesmo que conhecer a Deus. Deixe-me dar um exemplo extremo de como isso se tornou algo ruim no Ocidente.

Na época em que estava pensando sobre essas coisas (eu partilho isso no livro, por isso perdoem a repetição), dava aulas no Canadá. Meus alunos eram do primeiro ano da faculdade, e todos haviam crescido na igreja. O nome da matéria era “O Evangelho e a Cultura”. Comecei a aula fazendo uma experiência. Disse à classe que iria compartilhar o evangelho de Jesus, mas deixaria algo de fora. Eu queria que eles descobrissem o que eu tinha “esquecido”. Falei primeiro sobre o pecado e como somos criaturas caídas. Contei algumas histórias e usei algumas ilustrações. Falei sobre o arrependimento, novamente usei algumas histórias. Então falei sobre o perdão de Deus e sobre o céu. Demorei algum tempo fazendo isso. Quando finalmente parei, pedi que a classe dissesse o que eu havia deixado de fora. Depois de 20 minutos ou mais de discussão, nenhum aluno percebeu que eu tinha deixado Jesus de fora. Nenhum! Acredito que eu poderia repetir o mesmo experimento em qualquer sala de aula cristã na América do Norte.

O que comecei a entender, naquela época, é que a conversão cristã é relacional. Não é mais teológica ou intelectual do que um casamento é teológico ou intelectual. Em outras palavras, uma criança poderia tornar-se cristã se tiver um encontro misterioso com Jesus, uma pessoa simples pode se tornar cristã se tiver um encontro misterioso com Cristo, e até mesmo um muçulmano ou budista poderia se tornar cristão se tivesse um encontro relacional misterioso com Cristo. Esta é a única conclusão que eu poderia chegar e que corresponde à realidade em que vivemos, a complexidade das Escrituras, e o convite misterioso que nos é oferecida por Jesus.

Escuto as massas dizendo: “Mas não! Uma pessoa não pode crer em vários deuses e ser cristã.” Deixe-me responder com algumas perguntas:
Uma pessoa pode ter uma teologia ruim e ser cristã?
Sua teologia já foi correta, e você realmente era um cristão antes?
Sua teologia pode explicar tudo, então você não tem mais motivos para estudar, e se não explica, você é um cristão?

Se você acredita que a teologia de alguém precisa estar correta para que ela se qualifique à conversão cristã, então você está dizendo que uma pessoa, em parte, pode conhecer a Deus porque ele tem as idéias corretas. Mas eu respeitosamente discordo. Eu acho que a teologia correta é importante? Com certeza, mas não acredito que isso tenha um poder para converter maior que o endereço de um consultório médico tem o poder de curar.

Um amigo rebateu meu argumento, enfaticamente, dizendo que a menos que uma pessoa entenda e concorde com a idéia teológica da depravação total, não poderia ser um cristão. Perguntei ao meu amigo quando ele aprendeu sobre isso. Ele respondeu que foi no seu segundo ano no seminário. Perguntei-lhe, então, quando ele tinha se tornado um cristão, respondeu-me que quando estava na terceira série do ensino fundamental. Seu raciocínio era, obviamente, louco, mas não acho que ele é o único que pensa assim. Creio que Deus quer nos envolver e transformar pela Sua Palavra. Isso significa que alguém de outra fé que encontra Jesus poderia apenas corrigir a sua ideologia? Talvez. O que estou dizendo, porém, é que Deus não exclui alguém de sua graça salvadora porque eles não têm uma lista de idéias teológicas corretas. Para aqueles de nós que os julgamos e condenamos, é preciso pensar: por que estamos nos opondo quando o Deus que amamos e servimos é tão inflexível sobre nos relacionamento com eles do mesmo modo que Ele tem se relaciona conosco?

Você poderia me fazer um favor e ler este livro? Você estaria disposto a aumentar e expandir sua compreensão de Deus e como Ele opera? Se a sua compreensão do cristianismo é relativamente conservadora, pode surpreendê-lo o fato de nossa teologia ser muito semelhante. Mas aviso que vou continuar a retirar o poder e a beleza dos fatos a respeito de Deus e atribuir ambas apenas ao próprio Deus. Isso vai incomodá-lo na mesma medida que a teologia correta for o seu falso deus. Você ficará revoltado em seu íntimo, porque aquilo em que você tem colocado a sua segurança (ou seja, sua capacidade de defender as idéias corretas) será ameaçado. Mas não se engane, não estou atacando a teologia correta, estou simplesmente fazendo a teologia ser uma janela e não uma parede.

Nesta viagem você poderá passar pela mesma noite escura da alma que eu passei. Mas do outro lado, eu lhe asseguro, está Cristo, e você vai amá-lo pelo que Ele fez. Você ficará coberto de sangue da batalha, de joelhos diante d’Ele, sabendo que Ele é toda a esperança que você tinha, e esperamos, em um momento maravilhoso de liberdade, entender que ele sempre é a esperança que você precisa.

Fonte: blog do Donald Miller

Tradução: Jarbas Aragão

Embora este livro ainda não esteja disponível no Brasil, você pode conhecer os outros livros do autor nos sites das editoras Garimpo e Thomas Nelson.


Nenhum comentário:

Postar um comentário