por Tais Machado
Daniel Cohen é um economista, também professor da École Normale Supérieure, vice-presidente da École d’Économie de Paris e editorialista do jornal Le Monde. Mas, o que mais me impressiona é sua capacidade de falar sobre temas não tão simples, mas com uma linguagem apetitosa. Você o lê e compreende conceitos não tão básicos com certa facilidade e até fica com a sensação de que entende de economia.
Recentemente foi publicado no Brasil mais um de seus bons livros, e esse, mais atualizado (escreveu no ano passado) – "A Prosperidade do Vício". São artigos que nos convidam a uma reflexão mais profunda de nosso tempo.
Num dos capítulos ele questiona: “se a riqueza é um elemento importante do bem-estar, por que uma sociedade que enriquece parece fracassar em tornar seus membros mais felizes?”. E pondera: “Os franceses eram incomparavelmente mais ricos em 1975 do que em 1945, mas não eram mais felizes. Por que tanto desgosto? A resposta é simples. O bem-estar dos modernos não é proporcionado pelo nível de riqueza. Depende do seu crescimento, qualquer que seja o ponto de partida desta”. E salienta “um traço fundamental da sociedade moderna: seu apego ao crescimento”.
Interessante pensar a esse respeito no contexto brasileiro, com uma economia estável nos últimos anos e com perspectivas de crescimento maior. Os cidadãos estão mais vorazes? Apesar da tentativa do Governo de conter a euforia consumista de fim de ano, com aumento de juros, a fim de que a inflação não aumente de forma avassaladora, ainda assim percebemos as pessoas animadas em consumir mais.
Voltando aos comentários do Cohen, “o consumo é como uma droga. O consumo cria uma dependência. O prazer que proporciona é efêmero, mas o desespero é imenso quando nos vemos privados dele”. Entretanto, considera pesquisas recentes que apontam que “90% dos mais ricos respondem que são ou muitos felizes ou o suficiente, enquanto apenas 65% dos mais pobres respondem que o são. Aqueles que têm uma vida financeira mais folgada são sempre majoritariamente muito felizes”.
Como se explica isso? Nas palavras de Cohen trata-se de “um fenômeno simples e eterno: a inveja. Sentimos prazer em conquistar mais do que os outros. Marx já tinha feito essa observação: ‘Uma casa pode ser grande ou pequena, mas enquanto os vizinhos tiverem casas do mesmo tamanho isso não será um problema. Se alguém constrói um palácio do lado, essa casa se tornará minúscula’. Cada um tentará ultrapassar seus colegas ou amigos, aqueles que formam o ‘grupo de referência’ com o qual nos comparamos”.
Constata-se, assim, que mais do que acumular riquezas o que importa hoje é sentir-se superior ao próximo. Sente-se um vencedor quando se percebe na frente do outro, o esforço é ter e estar em vantagem em relação aos que o rodeiam. Parece que tudo o que importa é a competição nessa selva capitalista.
Pensar sobre o registro que Lucas faz no evangelho da história de Zaqueu me parece oportuno. Afinal, Zaqueu é um homem rico, em grande vantagem financeira em relação ao seu grupo de referência – seus irmãos judeus. Como chefe dos cobradores de impostos, não era bem quisto pelo seu próprio povo, contudo, preferiu ou agradou-se mais da opção de obter larga vantagem financeira, ainda que extorquindo seu próximo. Talvez a sensação de ser um “vencedor” por suas conquistas até ali lhe bastavam. Podia ser pequeno em estatura, mas era grande no poder que as riquezas lhe davam.
A curiosidade para saber quem era Jesus, para ver aquele que atraia multidões o fez subir numa árvore. E ali foi encontrado por Jesus. Depois desse encontro se tornou um novo homem, mudando radicalmente sua postura.
É interessante porque não temos detalhes da conversa que Jesus teve com ele enquanto ficou em sua casa. Mas vemos o efeito em sua vida. Espontaneamente ele diz: “Olha, Senhor! Estou dando a metade dos meus bens aos pobres; e se de alguém extorqui alguma coisa, devolverei quatro vezes mais” (Lc 19.8). E como Jesus reage diante de tal atitude? “Jesus lhe disse: ‘Hoje houve salvação nesta casa! Pois o Filho do homem veio buscar e salvar o que estava perdido’.” (Lc 19.9-10).
Ao que parece, segundo Jesus, a salvação se manifesta na vida das pessoas quando o arrependimento acontece, quando a consciência é ampliada, quando seus olhos interpretam a realidade de uma nova maneira, quando seu coração vê o que antes não via, quando o próximo não é mais seu competidor, mas alguém com quem você se torna solidário, te levando a doar, a devolver, a ajudar. Como diz Philip Yancey “Jesus me convida a abandonar o esforço competitivo. Convida-me a confiar na opinião de Deus a meu respeito, a única que vale afinal de contas”.
Jesus diz que sua vinda foi para buscar e salvar o perdido. Ele diz isso justamente para Zaqueu, cuja atitude prática evidenciava a descoberta de ter sido achado e salvo. Sim, precisamos ser salvos de nós mesmos.
Taís Machado é psicóloga e docente em diversos seminários teológicos.