quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Eu sou sim e sou não; assim e não eu sou não sou

Caio Fábio

Coisa muita estranha é esta de ser um homem divinamente caído e caidamente divino!

Sim, de carregar o finito e o infinito;

de ser mortal e eterno;

de ser animal mamífero e um deus filho de Deus;

de ser livre para escolher e condicionado a tantas determinações que turvam a escolha;

de ter arbítrio e também de reagir à revelia do arbítrio;

de ser santo na mesma natureza pecadora e caída;

de estar preso ao tempo/espaço e já poder transcendê-lo até pelo pensar, pelo imaginar e pelo crer;

de contar dias sabendo da eternidade;

de ter apegos mortais enquanto se celebra o eterno;

de sentir separações que sabemos não separam;

de temer amar quando a vida que é [...], é apenas amor;

de adiar a morte quando é justamente ela que nos livra dela própria;

de temer a libertação daquilo que de fato liberta;

de amedrontar-se do que não pode matar;

de esperar frustrado o que já se sabe que é;

de relutar em ter fé Naquele que teve fé em nós por nos ter feito de nada além do Seu próprio desejo;

de andar nas calçadas de poeira esquecido do Caminho;

de buscar fora [...] a Verdade que existe apenas dentro;

de almejar a Vida como se ela não nos habitasse;

de invocar Deus acima e não no interior;

de separar os semelhantes sem enxergar a obviedade da nossa mesma semelhança;

de nos impressionarmos ainda com tudo o que não passa de miragem;

de atribuirmos direito duradouro ao que se desvanece;

de sairmos para lutas que estão já acabadas;

de nos abalarmos com aquilo que já carrega o signo da falência;

de confessarmos com gritos o que na vida não cremos;

de pregarmos em alaridos e não desejarmos viver nem mesmo em silêncio;

de pensarmos e não concluirmos que quase nada cabe no pensamento;

de habitarmos o finito do tempo/espaço e não nos darmos conta de que até em seus limites nada vemos;

de aceitarmos estatísticas e tergiversarmos ante a sabedoria;

de nos culparmos do que não provocamos;

de não culparmo-nos pelo que fizemos;

de justificarmo-nos do que não requer nada além de consciência e mudança;

de aceitarmos que um conjunto de arrazoados tenha o suposto poder de salvar a uns e condenar a outros;

de confessarmos a inalcançabilidade de Deus e Lhe defendermos os templos;

de carregarmos em nós o pode do louvor e imaginarmos que ele não acontece se não cantarmos;

etc… — enfim, de sabendo tudo isto acerca de nós mesmos, vivermos como se nada disso fosse o que de fato é!

Assim, não me é possível deixar de pensar que a maior tragédia humana é o medo de crer, de ver, de saber, de aceitar os limites e de acolher os não limites; de ser tão maravilhosamente divino em sua origem, e tão desgraçadamente mamífero e animal em suas escolhas; de ser sobejamente elevado e, ao mesmo tempo, tão aferrado ao que é mesquinho; de ser tão para além das estrelas enquanto briga com tanta avidez pelos espaços feitos de pó!

Ah! Que desgraçadamente linda e patética é a existência humana!

E que grande amor é esse que assim me ama?

Por isto, também digo:

Deus é amor porque sei que eu assim sou [...], tão aquém de todo amor!

Sou [...], logo sou; e não sou a origem do ser que sou; sou sem poder ser; sou porque sou aceito em meu ser; por isto sendo quem e como sou, sei que Quem me fez só pode ser Absoluto Amor!

E que grande loucura é esta, a de Deus, que decidiu nos chamar Seus filhos?

Ora, sendo nós assim, tão sem nada definidamente assim, como seríamos objeto de qualquer coisa que não absolutamente e apenas o Sim da Graça?

Nele, que é Sim Assim Somente Sempre Amor,